quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Sistema de dor unificada

Meio-dia de uma ensolarada segunda-feira no Rio de Janeiro; mais precisamente, dia sete de janeiro. Este era o momento exato em que Cláudia começou a preparar o almoço. Mesmo atarefada com o prato do dia – afinal, a dúvida era se começava a ralar a cenoura ou a cozinhar o feijão –, ela notou e estranhou o fato do filho João Carlos não ter acordado desde então. Certo que era temporada de férias e ele realmente precisava descansar – afinal, seu ano anterior foi bem puxado por conta do vestibular –, mas o menino nunca foi de levantar muito tarde.
– Bom dia, mãe. – logo se ouviu a voz sonolenta de João ecoando pela cozinha. Sua aparência aparentava cansaço.
– Finalmente, hein, filho? O que houve?
– Ah... Eu fiquei acordado até tarde ontem por causa do Sisu.
Ao ouvir a frase, Cláudia entrou em pânico.
– Como é?! Por que não me contou antes?
– Ué... – João estranhou um pouco o elevado tom de voz utilizado pela mãe, demonstrando surpresa – ontem foi o primeiro dia.
– Ai, João! – Cláudia respirou fundo – Podia ter me acordado!
João riu um pouco do modo como a mãe estava.
– Não precisava.
– Como você 'tá se sentindo?
– 'Tô normal, mãe... Logo essa fase passa.
Ela novamente aumentou o tom de voz, transmitindo ainda mais irritação:
– Como você pode ser tão otimista com isso?!
– Graças a Deus que eu sou otimista, né? – João devolveu a resposta, ainda achando tudo mais estranho. A mãe sempre o apoiara e ele realmente não entendeu o motivo dela ter agido dessa forma. As mães pegam as dores dos filhos, mas não precisava ser tanto assim por conta do vestibular!
– Ai, João... Eu não sei, isso não pode ser resolvido tão tarde assim...
– Relaxa. Hoje é segunda-feira, tenho até sexta para ver isso do Sisu com calma.
– Até sexta? É muito tempo! Não acha que vai piorar?
– Piorar vai sim, mas faz parte, só me resta esperar.
– Bom, se você diz... – Cláudia não entendeu o motivo da espera do filho, mas demonstrou mais calma – vou continuar a preparar o almoço, mas pelo visto, já sei que terá que ser uma comida mais leve pro senhor.
“Ela ta se preocupando tanto assim com isso que quer até que eu coma algo mais leve? O que seria mais leve? Salada?”
– Eu não quero salada, mãe! Aí sim que eu vou ficar ainda mais ansioso e nervoso com o que tá acontecendo. Prepara aí um bife com batata-frita.
– Bife com batata-frita? Você enlouqueceu, João? Vamos combinar que você já 'tá meio acima do peso, quer ficar com ainda mais dor de dente?
– Você é tão legal! Obrigado mesmo pela parte que me toca e... Peraí,  você disse “ainda mais dor de dente”?
– Claro! Foi o que você me disse!
– Quê? Mãe, você 'tá bem?
– Claro que eu 'tô bem, João Carlos! Que pergunta besta!
– Eu não falei nada de dor de dente.
– Acho que quem não tá bem é você... Ficou falando aí que ficou acordado até tarde por causa do siso... 'Tá doendo muito? 'Tá delirando de dor, é isso?
Naquele momento, João começou a rir, deixando a mãe ainda mais nervosa.
– Por que você 'tá rindo, João Carlos?! Tenho cara de palhaça?
– MÃE! – ele disse ainda rindo mais. Não tinha nem ideia de como a mãe era exagerada e até meio grossa, vamos combinar – Eu não estou com dor de dente, nem meu siso nasceu! Eu estava falando do Sisu, que significa Sistema de Seleção Unificada. É um site onde o estudante que prestou o ENEM escolhe duas opções de curso em qualquer faculdade pública de qualquer estado do país, desde que essa tenha aderido ao ENEM. Dependendo da nota de corte do candidato, ele vê por meio da nota de corte do curso, que é gerada através de quantas pessoas também se candidataram para aquele curso com aquele número de vagas, se pode passar ou não. E isso é atualizado às duas da manhã todos os dias, até sexta-feira.
Cláudia, até então tensa, respirou aliviada.
– Ahhhh! Viu só como fica mais claro quando você me explica?
– Você não tinha nem perguntado... Mas pensando bem, mãe, até que você 'tá certa em uma coisa.
– Em quê?
– Sisu bem que combina com siso mesmo. Ambos são chatos, incomodam, nos deixam nervosos... Acho que o Sisu, no fundo, ganhou esse nome por ser uma tremenda dor de dente.
– Você é tão bobo, João... – Cláudia riu com a analogia do filho, sendo seguida por ele – Se depender da explicação gigante que você me deu, tenho certeza de que você passa para o que você quiser.

João Carlos, tendo o pai morando no interior do Paraná, resolveu cursar Engenharia por lá. Deixou a mãe morrendo de saudades e de preocupação em como seria a vida do filho sem ela por perto. Um pouco antes dele ir para a sala de embarque do aeroporto, ela disse: “Vê se vai ao dentista regularmente!”.
Resultado: um mês depois, começava a nascer o siso de João.

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